"Criança -Potência ou Impotência?" Por Alvaro Dantas @eualvarodantas
- gomescau
- 9 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
O saber é uma conquista corporal,
Uma atitude de afeto e de relação.
O saber que vem do ar
O saber que vem do mar
O saber que vem do fogo
O saber que vem da terra.
Eu aprendo a cada instante.
Aprendo com o sorriso do bebê.
E só sei que aprendi algo quando me esqueço.
Quando olho uma criança enxergo o mundo. Então, cuido para que não seja eu o limitador de sua potência. Converso com a criança que há em mim e peço humildemente que ela se manifeste e me empreste seus olhos para que, enfim, eu seja capaz de amar.
Nas experiências da constelação familiar acontece de aparecer na dinâmica à representação da criança interior da pessoa que está sendo trabalhada. Às vezes ela se encontra ferida, outras vezes se mostra impedida, contudo, sempre traz consigo a potência adormecida do adulto. É preciso confiar que o essencial é simples, sutil e óbvio, tal qual a pura potência de uma criança. É preciso acreditar que ela jamais nos abandona e se encontra em algum lugar dentro.
Eu sempre achei provocante o olhar de uma criança. Nunca consegui escapar dele. Algo me capturava, ainda hoje captura, não sei explicar em palavras. Um encanto, um convite, sei lá!! Causava-me espanto verificar a recusa de alguns adultos àquele olhar penetrante.
A recusa talvez fosse por medo de ser descoberto em sua vulnerabilidade. Mas, uma criança não estranha a vulnerabilidade, pois a reconhece potente! Ela, a criança, não sabe que não sabe e, para ela, vulnerável é sinônimo de aventura.
Ela olha sem medo e não julga o medo do outro.
Não será esse o mais cuidadoso serviço que os adultos, especialmente os pais, devam assumir ao lidar com uma criança? Não impedir sua pura potência de agir e se manifestar.
O Adulto, ferido em sua criança, tende a se proteger. Cria um escudo protetor invisível que impede a relação em sua manifestação mais plena. Quero dizer como relação plena a que não submete a criança a um lugar inferior e a um sem número de imposições e opressões, uma relação esquecida por nós que vivemos, ainda, sob a influência patriarcal ou matriarcal. Esse adulto, tem medo de ser ferido novamente e cria um sujeito que nega a relação ou, por outra, assujeita-se, a relações superficiais sem nem mesmo perceber.
Essa relação não está em equilíbrio, o fluxo entre o dar e o receber está desordenado. O adulto demanda da relação à compensação daquilo que sente ter-lhe faltado quando criança e espera que os relacionamentos cumpram esse papel, até mesmo na relação com às crianças ou filhos.
O equilíbrio só pode ser alcançado resolvendo interna e conscientemente a falta em sua origem, aonde começa a vida, na relação com os pais biológicos, a energia propulsora da vida. Reconhecer a origem da vida, aceitá-la como uma dádiva e tomá-la integralmente preenche o vazio no sentido que se dá um lugar interior ao pai e a mãe que a gerou, um continente que não prende e nem impede a ação.
É como encontrar-se com a sua própria criança e lhe dar um lugar adequado, o de filho e pequeno em frente aos pais que são adultos e grandes. Sentir-se pequeno perante os pais e os ver em seu lugar original favorece o fluxo do dar e tomar. Isso nos liberta para sermos adultos perante outro adulto e as crianças não mais precisam nos mostrar nossas faltas, pois elas não se manifestam.
No olhar sistêmico, seria como os adultos assumindo seu lugar de antecessores, onde a hierarquia significa precedência e prioridade, nunca poder ou controle. Onde o casal, eu e o outro, é primeiro casal e só depois pais, por isso compreendem-se igualmente responsáveis pela criação dos filhos e se respeitam em suas diferentes e complementares qualidades na função de acompanhar sua evolução.
Estamos falando de uma relação próxima do que Humberto Maturana anuncia como o modo de viver “matrístico” (que não é patriarcal e nem matriarcal), onde o que há é a cooperação e o respeito mútuos. A relação de dois adultos que já não competem entre si e não esperam um do outro mais do que a relação de casal pode lhes oferecer. Assim, eles estão mais disponíveis aos filhos, quando eles chegam, e as crianças têm boas e novas oportunidade de se desenvolverem em um ambiente mais equilibrado.
Esses pais respondem ao contato infantil e se derretem em carícias e afagos, são afetados e afetam sem impedir o desejo investigativo dos filhos. O olhar é correspondido e de retorno a criança recebe informações que dão a seu corpo forma, contenção para o livre sentir, para experimentar a experiência e expressar suas impressões. E, assim, ao longo do viver, investir-se de si e constituir sua própria imagem corporal.
Envolvida em amor ela cresce e segue em direção ao desenvolvimento. Um dia ela é convidada a desenvolver, afastar-se do envolvimento. Romper o invólucro e seguir com sua vida, uma atitude de confiança e coragem.
Eis o percurso da vida. Veja como se mostra imprescindível a autoconhecimento do adulto, caso ele deseje ter filhos. Ao tirar a cobertura e empossar sua criança interior da própria potência, outros valores se apresentam, a cultura se modifica, o mundo também.
Na prática, a relação do adulto com as crianças precisa estar implicada em não tirar dela sua inata potência de agir, sentir e desejar. Para isso é necessário redefinir de que lugar as olhamos e até mesmo as afirmamos, é preciso despir-se de crenças que nos limitam, é necessário ir além e redescobrir a nossa própria potência, ainda que não mais pura.
Uma criança expressa o que sente ou pensa, mostra-se de muitas maneiras. O desafio, ou melhor, o convite é olhar a criança de outro lugar. Não diante de um adulto destronado de sua criança que se defende atrás de um escudo de poder e autoritarismo, mas daquele lugar em que normalmente não estamos e até tememos nos deparar, o lugar de onde elas, as crianças, nos olham e nos capturam.
Na relação do adulto com a criança importa cuidar para que essa composição de adulto não impeça o real movimento da vida em processo no brincar. Há que ser corajoso para se despir dos conhecimentos prévios e das antigas ordens condicionantes, para não comprometer o processo natural do desenvolvimento do ser.
É necessário cuidar para não sucumbir ao medo da relação e agir com ameaça numa situação de desconforto. Uma criança ameaçada vê-se impedida de agir e encapsula o seu sentimento, isso gera a limitação e a impotência. Essa é a diferença entre limite e limitação, o primeiro facilita o movimento enquanto o segundo o interrompe.
Um adulto consciente de seu lugar, em paz com sua criança, conhece sua real potência. Ele não tem medo de dar limite, pois esse vem da real compreensão do que pode o corpo e do respeito ao espírito da criança. Seu limite é então a expressão do amor, jamais da coerção ou do constrangimento.
A criança respeitada em sua dignidade aprende a respeitar, ela compreende o amor que a envolve e, por tê-lo vivido dentro da clareza, pode desenvolver toda sua potência e se lançar ao mundo firme e feliz.
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